sábado, 24 de outubro de 2009

Romance ingénuo de duas linhas paralelas


Duas linhas paralelas
muito paralelamente
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço
que ninguém sabe onde é
se podiam encontrar
falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha
uma delas certo dia
voltou-se para a outra linha
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
«Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim...»

Diz a outra: « Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
se quisermos lá chegar
temos de ir devagarinho
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!»

Não se dando por achada
fica na sua a primeira
e sorrindo amalandrada
pela calada, em um grito
deita a mãozinha matreira
puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente
as duas a murmurar
olharam-se docemente
e sem fazerem perguntas
puseram-se a namorar
seguiram as duas juntas.

Assim nestas poucas linhas
fica uma estória banal
com linhas e entrelinhas,
e uma moral convergente:
o infinito afinal
fica aqui ao pé da gente.


JOSÉ FANHA

Poema-Oração


A todos os ventos
eu peço coragem.
A cada estrela e estrada
Ao mar que não morre nunca
eu peço coragem.
E ao sol e à lua
E a todo o firmamento.
A cada pássaro
A cada pedra
A cada bicho da terra e do ar
Peço coragem a tudo o que vive agora
E ainda viverá
Coragem para cavalgar os dias
Navegar nas horas
E a cada minuto e segundo sonhar.


(Roseana Murray)