quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Eu faço versos como quem chora


De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto
Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.
E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca
Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!


Manuel Bandeira

Tango


Um tango me persegue desde a infância
no canto, no piano, na memória
e se me impõe à voz, timbrando vário
são prolongar em mim a sua essência
nos dedos de meu pai sobre o teclado.
Não somente: transporta desde longo
Tempo a escrita do pai, letra de tango
no papel sempre então visto e relido.
Um tango me persegue: sua marca
é o realejo crepuscular que sinto
na imaginação rodando lento
e quanto mais passado mais se acerca.

E letra e pai e som, tudo afinal
gira ao compasso do tango fatal.


(Fernando Py em Sol Nenhum)

Não sei onde estás, se falas
ou se apenas olhas o horizonte,
que pode ser apenas o de uma
parede de quarto. Mas sei que
uma sombra se demora contigo,
quando me pergunto onde estás:
uma inquietação que atravessa
o espaço entre mim e ti, e
te rouba as certezas de hoje,
como a mim me dá este poema.

(Nuno Judice)

Se eu pudesse guardar os teus sentidos


Se eu pudesse guardar os teus sentidos
Numa caixa de prata e de cristal,
Entre conchas do mar, búzios partidos,
Pequenas coisas sem valor real...
Se eu pudesse viver anos perdidos
Contigo, numa ilhota de coral,
Para além dos espaços conhecidos,
Mais longe do que a aurora boreal...
Se eu soubesse que o olhar de toda a gente
Te via, por milagre, repelente,
Que fugiam de ti como da peste...
Nem assim abrandava o meu ciúme,
Que é afinal o natural perfume
Da flor do grande amor que tu me deste.


(Reinaldo Ferreira)

VÉUS, VÔOS E AVESSOS


Quando amo plenamente
abro os portais da alma
sem medo de me lançar
ao alizarim, ao azul
arrisco a entrega inteira
sem temer vôos ou quedas
vislumbro o céu e o avesso
nos olhos descortinados
vejo verdes, lilases, anis
cor-de-noite, terra, gris
janelas abertas, paraísos...
Coração leve, apaixonado
livre dos véus da ilusão
avança no vazio violeta
inventa novos jardins
revive entre nuvens e luzes
ultrapassa limites, cintila
num trânsito eterno-etéreo...

(Ana Luisa Kaminski)

Enquanto houver uns olhos que reflectem
outros olhos que os fitam,
enquanto a boca responda a suspirar
aos lábios que suspiram,
enquanto sentir-se possam ao beijar-se
duas almas confundidas,
enquanto exista uma mulher formosa,
haverá poesia!


(Gustavo Adolfo Bécquer)